domingo, 22 de março de 2009

Os Campos de Cima da Serra


No 22 de maio de 1998, aproveitando o dia ensolarado, resolvemos conhecer o Parque Nacional dos Aparados da Serra, onde se mostrava o lado mais rústico do nordeste gaúcho e onde existiam alguns dos mais importantes recantos para o ecoturismo no Rio Grande do Sul, por concentrar os maiores canyons do país.

Seguimos para São Francisco de Paula, cujo centro turístico lembrava um chalé bávaro e tinha em seu quintal pavões, patos e carneiros, e colhemos informações sobre lugar para almoçarmos.

Após comermos um churrasco, fomos em direção a Tainhas.

Segundo o Quatro rodas, em Tainhas teríamos de virar ao nordeste, para irmos a Cambará do Sul, mas não havia no entroncamento caminho para nordeste.

Pareceu-nos, então, que teríamos de entrar em Tainhas, mas depois vimos que a estrada que para lá conduzia não se mostrava muito segura, nem tampouco tinha alguma sinalização que indicasse o caminho para Cambará do Sul.

Depois de muito rodar em círculos, sem que uma viva alma aparecesse, resolvemos pegar o caminho para Aratinga, que ia para leste e, dali, viramos à esquerda.

Seguimos, em meio às obras das empreiteiras do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, para Cambará do Sul, suprindo as deficiências da sinalização com os esclarecimentos prestados pelas pessoas que trabalhavam nas obras.

Chegando à cidade, fomos ao primeiro posto de gasolina, à procura de pousada que nos era indicada pelo Quatro rodas.

Informaram-nos de que a Pousada Simone, que não constava no aludido guia, seria a melhor.

Fomos, antes de nos decidirmos – Scheila tem uma certa compulsão pela pesquisa de mercado, o que não deixa de ser salutar –, verificar as possibilidades de hospedagem que a cidadezinha oferecia, e optamos por ficar naquela que nos fora recomendada, extremamente aconchegante e com ótimo tratamento por parte dos proprietários, apesar de não ter banho privado e de cair a luz a cada vez que se ligavam simultaneamente os chuveiros do banheiro masculino e feminino.

O canyon do Itaimbezinho, famosa reserva ecológica caracterizada por um paredão afiado, com 5.800m de extensão, 800m de profundidade e uma largura de 800 a 2000m, estava fechado até o dia 30, quando seria inaugurado um hotel, inclusive com a presença do Governador.

As descidas até as profundezas do Itaimbezinho, segundo a revista Terra, estavam proibidas desde 1992, em virtude de se ter verificado que os turistas que o visitavam, por vezes, acrescentavam à paisagem natural o lixo urbano, depositando desde tênis usados até agasalhos e cobertores no fundo do canyon.

Falaram-nos do canyon Fortaleza, mais bonito que o do Itaimbezinho, e de onde se podia ver, em dia claro, os litorais gaúcho e catarinense.

O canyon que visitaríamos tinha 920m de profundidade.

Fomos comer alguma coisa em uma lancheria chamada Segredo’s por causa de um retrato mural representando a Pedra do Segredo, uma enorme rocha que se equilibrava sobre uma base muito pequena, parecendo bastar um empurrão para ela se despenhar canyon abaixo.


Peculiaridade da rocha era, ainda, uma formação, em seu meio, que parecia um filhote.

Mais tarde, lendo os trabalhos do geólogo Reynaldo Coutinho, o pesquisador de Sete Cidades (PI) – textos academicamente bem ortodoxos, que trouxeram conclusões importantíssimas no que toca à presença do homem naquela região e aos conhecimentos de astronomia que detinha –, assaltou-me o espírito a possibilidade de a Pedra do Segredo ser um loghan, isto é, um amontoado de pedras artificialmente colocado, em precário equilíbrio.

Veja-se que estou falando, aqui, no terreno da possibilidade, porque não havia, ainda, nenhuma prova de que tivesse havido ali, nos Campos de Cima da Serra, a presença do ser humano, a despeito de relativamente próximo de Urubici/SC, que visitaríamos mais tarde, onde há vestígios arqueológicos profundamente interessantes, especialmente no que tange às casas subterrâneas.

Fôra antes a parte do canyon da Fortaleza uma reserva florestal destinada a aproveitamento em fábrica de celulose, felizmente desativada, devido aos estragos que, efetivamente, fazia ao lançar os resíduos na atmosfera.

Percebemos, também, que a vida ali ainda tinha a tranqüilidade típica das cidades interioranas, em que as pessoas, ressalvados os dias de intenso frio, ainda podiam colocar suas cadeiras sobre a calçada em frente de casa e em que um furto ainda era coisa de causar espécie, sem a banalização que o crime adquirira já em grandes metrópoles.

A cidade, até sua emancipação em 1966, fôra parte do Município de São Francisco de Paula, e mantivera muito mais comunicação com o litoral do que com a capital, desde o seu desbravamento em 1745 pelo bandeirante paulista Pedro da Silva Chaves.

Fôra pouso de tropeiros que conduziam suprimentos à Feira de Sorocaba, em São Paulo, para abastecer de carne os trabalhadores das Minas Gerais.

Tinha havido em um dos canyons, o Malacara, um acidente no qual morrera um alpinista principiante.

Para se evitarem acidentes, mas, sobretudo, para se fiscalizar a boa educação de certos turistas que tinham dificuldades em não enxergar nos canyons lixeiras naturais, eram treinadas pessoas habitantes da região, pelo IBAMA, para servirem como guias.

Pegamos por guia um jovem chamado Márcio, que nos foi apresentado pelo dono da lancheria.

No dia seguinte, após o café da manhã, pagamos a diária e saímos com o guia em direção ao canyon

Ficamos sabendo no caminho a respeito de inúmeras outras atrações, como a Cachoeira dos Venâncios.

Tivemos de sair da via principal, já que ali se realizaria a procissão dedicada a Nossa Senhora de Caravaggio.

Quando perguntei se havia ali famílias provenientes dessa vila italiana de onde o pintor Michelangelo Merisi retirara o nome pelo qual se tornaria conhecido como um dos maiores artistas do início do período barroco, ninguém soube me esclarecer.

Subimos até o mirante, de onde, efetivamente, se podia ver tanto o litoral catarinense como a cidade gaúcha de Torres.

Via-se, ainda, a cachoeira do Tigre Preto.

À medida em que se ia subindo até o mirante, a fenda parecia ir-se abrindo mais e mais.

Andorinhões e urubus cortavam os céus, obtendo um ângulo de visão que nós, desprovidos de asas, certamente não poderíamos sequer fazer idéia.

O guia nos contou que, embora raro, não era impossível que um condor viesse voando dos Andes até os Campos de Cima da Serra.

No mirante, emprestou-nos seu binóculo, cujo alcance era extraordinariamente amplo, de sorte que podíamos ver detalhes de acidentes a quilômetros de distância.

Descemos depois do mirante para nos dirigirmos à Pedra do Segredo.

Atravessamos um largo campo, adentramos a mata e cruzamos as pedras da Cachoeira do Tigre Preto.

Eu, a passo hesitante, dado meu famoso medo de altura, ia auxiliado pelo guia e por minha esposa a colocar os pés nas pedras mais firmes.

Não fôra o frio das águas, lembraria as excursões que fazíamos à Chapada dos Veadeiros, em Goiás, à época em que morávamos em Brasília, quando desfrutávamos, além do indizível prazer de andar em meio à mata, das cachoeiras abundantes naquela região.

Andamos pela beirada do canyon e tivemos uma vista do melhor ângulo da Cachoeira, parecendo incrível que do topo até o primeiro piso abaixo houvesse uma diferença de dezoito metros de altura.

Passamos pelas turfeiras, onde se depositavam as substâncias dos animais decompostos e a partir das quais se formaria o petróleo.

Em nenhuma daquelas por onde passamos chegava a se configurar o “olho de boi”, espécie de sorvedouro gosmento, cujo efeito é praticamente o mesmo da areia movediça.

Chegamos a fotografar a Pedra do Segredo do lado de cima do canyon.



Contudo, como não estávamos com calçados adequados e o caminho para lá estava sumamente escorregadio, preferimos não descer, contentando-nos com as fotos.

Quando Scheila se lembrou da beleza cinematográfica do cenário, informou-nos Márcio que o canyon serviu não só para rodar o filme Anahy de las Misiones como também a propaganda de um cigarro, sendo esta última realizada em caráter clandestino.

Os topos retilíneos, paredes paralelas em uma perspectiva perfeita, poder-se-ia desconfiar da mão do homem?

O próprio canyon do Itaimbezinho recebera este nome porque a sua parede ia terminar em um vértice que dava a impressão do gume de uma lâmina, como se tivesse sido afiado.

Conversando depois com um colega de trabalho, fiquei sabendo que a NASA já estivera fazendo algumas pesquisas no local.

Na volta para Cambará do Sul, passamos por diversos atoleiros e buracos feitos por rodas de jipes.

Em um deles, o carro deu um pulo e morreu, embora fora do atoleiro.

Havia ali elevação à borda e no meio do buraco, destas que as pessoas que costumavam trafegar pelas estradas de terra do Centro-Oeste do Brasil costumavam chamar “costelas de vaca”.

Aliás, neste mesmo atoleiro havia caído um trailer, que estava aguardando o socorro dos jipes do IBAMA, já que, segundo nos informou Márcio, era proibido pegar inclusive as pedras do Parque, ainda que fosse para fazer calço, tais os rigores que a fiscalização tinha assumido.

Entretanto, foi possível dar novamente a partida no carro, o que mais uma vez provou a bravura do nosso humilde “Gol” e, por outro lado, mostrava não se justificar, por aquela época, comprar por um preço equivalente ao de um apartamento os jipes que estavam sendo postos no mercado.

Este incidente lembrou-me outro, ocorrido na Semana Santa de 1994, quando o meu irmão Fernando alugou um automóvel para percorrermos as Cidades Históricas de Minas Gerais, ele, o Dr. Flávio Alexander Delláqua Lucas e eu, que na época era solteiro.

Quando nos dirigíamos de Mariana para Diamantina, o mapa Quatro rodas indicara-nos um atalho que seguia pela cidade de Santana do Pirapama, atalho este que se nos mostrou de bem pouco compensadora utilização.

Cruzamos – tratava-se de estrada de terra, com casas abandonadas e as ruínas de uma igreja à sua beira, passando por esporádicos vilarejos situados em algum ponto entre nada e nenhum lugar – nada menos que onze cursos de água e, em um deles, a parte dianteira de baixo do carro acabou batendo em uma pedra.

Morto o motor, em meio a nada, o Dr. Flávio e eu empurramos o veículo, até que pegasse (pesou no orçamento dos meses seguintes).

Claro, nada de mais morrer o motor.

E se o carro tivesse ficado totalmente impossibilitado de ser posto em movimento, no meio daquela estrada deserta, por onde quase ninguém passava?

Por uma situação parecida passara minha mãe, ao dirigir em julho de 1979, com dois dedos quebrados, de São Lourenço, em Minas Gerais, a Nova Xavantina, no Mato Grosso, quando, na estrada de terra que ligava Barra do Garças a esta última cidade as “costelas de vaca” foram responsáveis pela danificação de um cano, de onde saiu todo o óleo do carro (era um fusca).

Não sei o que teria sido se não tivessem passado alguns caminhoneiros que repararam o problema de sorte que se pudesse chegar a Nova Xavantina do ponto em que estávamos, já que ali era pleno cerrado mato-grossense e que as feras não tinham medo de se aproximar da estrada.

Mas, voltemos ao Parque Nacional dos Aparados da Serra.

Após pagarmos o guia, resolvemos almoçar em Canela e comprar um conjunto de “tac-tel”, mais barato que em Porto Alegre e de excelente qualidade.

Depois do almoço, escolhemos voltar por Nova Petrópolis, esquecidos de que se estava realizando o Festival de Malhas, mercê do qual, daquela vez, a estrada estaria mais lotada por aquele lado do que por Gramado.

Já havia escurecido quando chegamos a Porto Alegre.

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