O Terminal Rodoviário de La Paz, lotado de gente, não deixou de nos causar alguma impressão desagradável.
Precisávamos telefonar para os hotéis para fazermos a pesquisa de mercado.
Não deixou de nos pasmar a ausência de um posto da telefônica na Rodoviária da Capital, fato impensável no Brasil.
Havia, contudo, um posto dos Correios, que nos indicou a banca de um camelô cego que vendia fichas telefônicas.
O mais barato dentre os hotéis com banho privado e próximo à rodoviária era o Hotel de los Andes.
Que diferença brutal com o de Cochabamba!
Para começar, foi dificultada a sua localização por não haver em La Paz o salutar hábito de se utilizarem placas indicativas dos nomes das ruas.
Tínhamos de sair perguntando às pessoas de melhor catadura.
Ao chegarmos, descobrimos que era o típico hotel para mochileros, sem falar no forte cheiro de inseticida que impregnava o quarto.
Procuramos organizar o que havia nas mochilas.
O banho era morno, tendente a gelado, com todo o desencorajador frio que fazia.
As roupas de cama e as toalhas, contudo, eram limpas.
Principiamos a consumir uma grande barra de chocolate que trouxéramos.
A tranqüilidade do Hotel possibilitou-nos uma boa noite de sono.
No dia seguinte, tomamos o café da manhã.
Necessitando de vitamina C, desconfiados do aspecto da água mineral, dissolvemos dois comprimidos de Cebion em Sprite.
Dirigimo-nos, a seguir, à recepção do Hotel, onde nos informamos a respeito do ônibus que nos levaria a Tiahuanacu (ou Tiwanacu, valem as duas grafias. A pronúncia é Tiauanácu ou Tiuanácu).
Fechadas as contas, dirigimo-nos, com nossas "leves" mochilas, à Praça onde se inicia a C. Manco Capac (a pronúncia é Cápac) e pegamos um táxi em direção ao Museu Tiahuanacu. Fechado que estava, o lucro que obtivemos foram duas fotos que a Scheila tirou daquela majestosa construção com seus portais reproduzindo máscaras nativas.
O mesmo táxi, ao nos conduzir até o ponto de ônibus para Tiahuanacu, deu-nos a oportunidade de percorrer a Av. 16 de julio, com seus belos casarões semelhantes aos da Av. Paulista, desvanecendo a má impressão que nos causara o Terminal Rodoviário e espancando o preconceito que nos foi inculcado desde crianças segundo o qual a Bolívia não passaria de uma grande favela imunda, onde não haveria nada de interessante para se ver, salvo ruínas e montanhas.
Se há a miséria e sujeira nas ruas - deleite do intelectual, segundo João Trinta -, há também lugares limpos, com prédios imponentes, belas estátuas, edifícios históricos, como a Basílica de S. Francisco, cujo interior é todo folheado a ouro, tal como ocorre com sua homônima em Salvador-BA.
Chegando ao ponto de partida do ônibus - o Cemitério - travamos conhecimento com uns brasileiros provenientes de Salvador.
Era um clima interessante.
Na sombra, um frio glacial.
Fora dela, um calor infernal.
Nossos compatriotas informaram-nos da existência do templete, reproduzido em uma praça de La Paz e deram-nos muitas recomendações sobre os perigos da República do Peru, particularmente os furtos e os riscos de sermos convertidos involuntariamente em traficantes.
Compramos as passagens.
Partiu o ônibus para Guaqui, passando por Tiahuanacu.
Demos sorte de conseguirmos assentos, pois o ônibus, verdadeira relíquia do pós-I Guerra Mundial, conseguiu lotar-se de modo a fazer uma lata de sardinhas parecer o salão de um palácio austríaco.
As mochilas iam nos nossos colos e, devo dizer, não nos permitiram muita liberdade de movimentos.
Ficamos sabendo que em Tiahuanacu não havia hospedagem, mas seria possível arrumarmos alojamento em Guaqui.
Lembrando a aventura do arqueólogo Siegfried Huber, a idéia pareceu-nos atraente.
Deixaríamos as mochilas em Guaqui, visitaríamos Tiahuanacu, voltaríamos a Guaqui, pernoitaríamos e pegaríamos ali o barco para Copacabana.
Ao chegarmos ao ponto final, descobrimos que o porto não existia mais, as ruas eram puro lamaçal, o vilarejo a largos passos seguia sua vocação para cidade-fantasma.
Decidimos, então, de mochila e tudo, ir às ruínas de Tiahuanacu, próximas ao vilarejo com este nome.
À aproximação do ônibus, avisou-nos o trocador e lá fomos nós atravessando o mar de passageiros no corredor, alguns em pé, outros sentados no solo.
Pagamos a entrada.
Ingressamos naquelas ruínas onde se adoravam os deuses, onde se media o tempo, onde se sepultavam os mortos dentre outras coisas reveladas e não reveladas pela arqueologia.
Percorremos ídolos e construções.
A Porta do Sol e a Porta da Lua, das quais, mais tarde, Scheila faria dois impressionantes quadros a óleo.
A câmara de sarcófagos conhecida por Putuni.
O templete, cavado num fosso.
A monumental pirâmide insculpida na montanha denominada Akapana, que somente não escalamos em virtude dos efeitos do soroche ou mal das alturas: tontura.
As estátuas antropomórficas, representando tanto deuses guerreiros como cenas eróticas.
A grande construção Kalasasaya, com suas calhas, onde se localiza a Porta do Sol.
E me vêm à mente as palavras de Artur Diniz, meu caro professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, um epicurista que jamais faria uma viagem maluca como esta que estou narrando, mas cuja sabedoria sempre hei de respeitar e admirar: civilização não é privilégio europeu.
O Museu.
Mais tarde, lendo o livro do Coronel Fawcett, encontrei a observação quanto a ter sido a cidade construída, tal como Cuzco e Saqsaywaman, por uma raça que manipulava rochas de proporções ciclópicas e as esculpia para as ajustar tão perfeitamente que se mostrava impossível a introdução da lâmina de uma faca entre as juntas e quanto a ter sido construída sobre uma ilha, estando parte das ruínas sob o Lago Titicaca, sendo as ruínas que visitávamos vestígios de uma cidade construída por sobre a cidade originária, como ocorrera com Tróia e Cuzco.
Nossos amigos baianos reencontrados, ensinando o meio de nos esquivarmos ao látego da sede sem necessidade de lançar mão da terrivelmente salobra água Viscachani: um suco de frutas engarrafado pela mesma empresa.
Outros brasileiros em Tiahuanacu.
Escoteiros de Curitiba que haviam participado do Jamboree pan-americano em Cochabamba e hospedados em La Paz no Hostal Montes.
Juntamo-nos a eles após tomarmos uma coca-cola e comprarmos uma garrafa do famoso suco de frutas na única lanchonete ali existente, sem falar na aquisição a título oneroso de um foulder explicativo a respeito daquelas ruínas.
Pegamos o ônibus.
Há um dado curioso que não pode ser omitido no tocante a estes transportes coletivos apinhados de gente.
O trocador solicitava aos homens que compraram suas passagens sentados que cedessem os assentos às mulheres, em geral, carregadas de coisas ou levando às costas crianças pequenas, sustentadas por um enorme lenço de alpaca colorida, amarrado ao pescoço.
Não se interpelavam - salvo no caminho de Guaqui a Tiahuanacu - os estrangeiros.
Parecia que aqueles pastores descendentes dos orgulhosos aymarás e quíchuas estavam pretendendo dar o exemplo de altruísmo e cavalheirismo que se tem mostrado cada vez mais raro nas culturas individualistas.
Atacados que fomos por leve dor de cabeça, ficamos sabendo que, realmente, era indispensável obviar os efeitos do soroche: dores de cabeça, taquicardia, deficiência respiratória, tontura.
A solução aconselhada foi o remédio Soroche Pills.
Chegando a La Paz, dividimos o táxi com os escoteiros e hospedamo-nos no Hostal Montes.
O banho era mais quente que o do Hotel de los Andes, e o quarto era acarpetado e limpo.
Contudo, não fornecia café da manhã e a toalha do banheiro do quarto que encontramos a nós destinado era úmida.
Ainda assim, após jantar na pizzaria Eli's, conseguimos ter uma boa noite de sono.
O líder do grupo, que se chamava Leandro, trocou trinta dólares que lhe havíamos entregue por bolivianos e comprou nossas passagens para Copacabana.
Incluiu-nos, ainda, na excursão para o dia seguinte: a escalada do Monte Chacaltaya, com 5.300 m de altitude.
Aprendemos, também, que além da cocaína, muitos outros produtos se extraem da coca e que desta planta abundante naquela região se fazem inúmeros produtos medicinais.
Precisávamos telefonar para os hotéis para fazermos a pesquisa de mercado.
Não deixou de nos pasmar a ausência de um posto da telefônica na Rodoviária da Capital, fato impensável no Brasil.
Havia, contudo, um posto dos Correios, que nos indicou a banca de um camelô cego que vendia fichas telefônicas.
O mais barato dentre os hotéis com banho privado e próximo à rodoviária era o Hotel de los Andes.
Que diferença brutal com o de Cochabamba!
Para começar, foi dificultada a sua localização por não haver em La Paz o salutar hábito de se utilizarem placas indicativas dos nomes das ruas.
Tínhamos de sair perguntando às pessoas de melhor catadura.
Ao chegarmos, descobrimos que era o típico hotel para mochileros, sem falar no forte cheiro de inseticida que impregnava o quarto.
Procuramos organizar o que havia nas mochilas.
O banho era morno, tendente a gelado, com todo o desencorajador frio que fazia.
As roupas de cama e as toalhas, contudo, eram limpas.
Principiamos a consumir uma grande barra de chocolate que trouxéramos.
A tranqüilidade do Hotel possibilitou-nos uma boa noite de sono.
No dia seguinte, tomamos o café da manhã.
Necessitando de vitamina C, desconfiados do aspecto da água mineral, dissolvemos dois comprimidos de Cebion em Sprite.
Dirigimo-nos, a seguir, à recepção do Hotel, onde nos informamos a respeito do ônibus que nos levaria a Tiahuanacu (ou Tiwanacu, valem as duas grafias. A pronúncia é Tiauanácu ou Tiuanácu).
Fechadas as contas, dirigimo-nos, com nossas "leves" mochilas, à Praça onde se inicia a C. Manco Capac (a pronúncia é Cápac) e pegamos um táxi em direção ao Museu Tiahuanacu. Fechado que estava, o lucro que obtivemos foram duas fotos que a Scheila tirou daquela majestosa construção com seus portais reproduzindo máscaras nativas.
O mesmo táxi, ao nos conduzir até o ponto de ônibus para Tiahuanacu, deu-nos a oportunidade de percorrer a Av. 16 de julio, com seus belos casarões semelhantes aos da Av. Paulista, desvanecendo a má impressão que nos causara o Terminal Rodoviário e espancando o preconceito que nos foi inculcado desde crianças segundo o qual a Bolívia não passaria de uma grande favela imunda, onde não haveria nada de interessante para se ver, salvo ruínas e montanhas.
Se há a miséria e sujeira nas ruas - deleite do intelectual, segundo João Trinta -, há também lugares limpos, com prédios imponentes, belas estátuas, edifícios históricos, como a Basílica de S. Francisco, cujo interior é todo folheado a ouro, tal como ocorre com sua homônima em Salvador-BA.
Chegando ao ponto de partida do ônibus - o Cemitério - travamos conhecimento com uns brasileiros provenientes de Salvador.
Era um clima interessante.
Na sombra, um frio glacial.
Fora dela, um calor infernal.
Nossos compatriotas informaram-nos da existência do templete, reproduzido em uma praça de La Paz e deram-nos muitas recomendações sobre os perigos da República do Peru, particularmente os furtos e os riscos de sermos convertidos involuntariamente em traficantes.
Compramos as passagens.
Partiu o ônibus para Guaqui, passando por Tiahuanacu.
Demos sorte de conseguirmos assentos, pois o ônibus, verdadeira relíquia do pós-I Guerra Mundial, conseguiu lotar-se de modo a fazer uma lata de sardinhas parecer o salão de um palácio austríaco.
As mochilas iam nos nossos colos e, devo dizer, não nos permitiram muita liberdade de movimentos.
Ficamos sabendo que em Tiahuanacu não havia hospedagem, mas seria possível arrumarmos alojamento em Guaqui.
Lembrando a aventura do arqueólogo Siegfried Huber, a idéia pareceu-nos atraente.
Deixaríamos as mochilas em Guaqui, visitaríamos Tiahuanacu, voltaríamos a Guaqui, pernoitaríamos e pegaríamos ali o barco para Copacabana.
Ao chegarmos ao ponto final, descobrimos que o porto não existia mais, as ruas eram puro lamaçal, o vilarejo a largos passos seguia sua vocação para cidade-fantasma.
Decidimos, então, de mochila e tudo, ir às ruínas de Tiahuanacu, próximas ao vilarejo com este nome.
À aproximação do ônibus, avisou-nos o trocador e lá fomos nós atravessando o mar de passageiros no corredor, alguns em pé, outros sentados no solo.
Pagamos a entrada.
Ingressamos naquelas ruínas onde se adoravam os deuses, onde se media o tempo, onde se sepultavam os mortos dentre outras coisas reveladas e não reveladas pela arqueologia.
Percorremos ídolos e construções.
A Porta do Sol e a Porta da Lua, das quais, mais tarde, Scheila faria dois impressionantes quadros a óleo.
A câmara de sarcófagos conhecida por Putuni.
O templete, cavado num fosso.
A monumental pirâmide insculpida na montanha denominada Akapana, que somente não escalamos em virtude dos efeitos do soroche ou mal das alturas: tontura.
As estátuas antropomórficas, representando tanto deuses guerreiros como cenas eróticas.
A grande construção Kalasasaya, com suas calhas, onde se localiza a Porta do Sol.
E me vêm à mente as palavras de Artur Diniz, meu caro professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, um epicurista que jamais faria uma viagem maluca como esta que estou narrando, mas cuja sabedoria sempre hei de respeitar e admirar: civilização não é privilégio europeu.
O Museu.
Mais tarde, lendo o livro do Coronel Fawcett, encontrei a observação quanto a ter sido a cidade construída, tal como Cuzco e Saqsaywaman, por uma raça que manipulava rochas de proporções ciclópicas e as esculpia para as ajustar tão perfeitamente que se mostrava impossível a introdução da lâmina de uma faca entre as juntas e quanto a ter sido construída sobre uma ilha, estando parte das ruínas sob o Lago Titicaca, sendo as ruínas que visitávamos vestígios de uma cidade construída por sobre a cidade originária, como ocorrera com Tróia e Cuzco.
Nossos amigos baianos reencontrados, ensinando o meio de nos esquivarmos ao látego da sede sem necessidade de lançar mão da terrivelmente salobra água Viscachani: um suco de frutas engarrafado pela mesma empresa.
Outros brasileiros em Tiahuanacu.
Escoteiros de Curitiba que haviam participado do Jamboree pan-americano em Cochabamba e hospedados em La Paz no Hostal Montes.
Juntamo-nos a eles após tomarmos uma coca-cola e comprarmos uma garrafa do famoso suco de frutas na única lanchonete ali existente, sem falar na aquisição a título oneroso de um foulder explicativo a respeito daquelas ruínas.
Pegamos o ônibus.
Há um dado curioso que não pode ser omitido no tocante a estes transportes coletivos apinhados de gente.
O trocador solicitava aos homens que compraram suas passagens sentados que cedessem os assentos às mulheres, em geral, carregadas de coisas ou levando às costas crianças pequenas, sustentadas por um enorme lenço de alpaca colorida, amarrado ao pescoço.
Não se interpelavam - salvo no caminho de Guaqui a Tiahuanacu - os estrangeiros.
Parecia que aqueles pastores descendentes dos orgulhosos aymarás e quíchuas estavam pretendendo dar o exemplo de altruísmo e cavalheirismo que se tem mostrado cada vez mais raro nas culturas individualistas.
Atacados que fomos por leve dor de cabeça, ficamos sabendo que, realmente, era indispensável obviar os efeitos do soroche: dores de cabeça, taquicardia, deficiência respiratória, tontura.
A solução aconselhada foi o remédio Soroche Pills.
Chegando a La Paz, dividimos o táxi com os escoteiros e hospedamo-nos no Hostal Montes.
O banho era mais quente que o do Hotel de los Andes, e o quarto era acarpetado e limpo.
Contudo, não fornecia café da manhã e a toalha do banheiro do quarto que encontramos a nós destinado era úmida.
Ainda assim, após jantar na pizzaria Eli's, conseguimos ter uma boa noite de sono.
O líder do grupo, que se chamava Leandro, trocou trinta dólares que lhe havíamos entregue por bolivianos e comprou nossas passagens para Copacabana.
Incluiu-nos, ainda, na excursão para o dia seguinte: a escalada do Monte Chacaltaya, com 5.300 m de altitude.
Aprendemos, também, que além da cocaína, muitos outros produtos se extraem da coca e que desta planta abundante naquela região se fazem inúmeros produtos medicinais.
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