Tomamos o nosso café da manhã.
Suco de laranja artificial, café forte, manteiga, geléia de morango, boas torradas, um bolo de chocolate duro de tão velho, biscoito cream-cracker.
Notávamos que realmente não havia sido uma má escolha o hotel.
Limpo, banho privado, quente, telefone e televisão dentro do quarto.
Fomos trocar traveller checks por "bolivianos".
Chuviscava.
Pés calçados em sandálias, seguimos pela Calle Esteban Arce - estreitas ruelas de Cochabamba! - até os bancos, sendo que o primeiro a que nos dirigimos, em frente do qual tirei inclusive uma fotografia da Scheila, tendo em vista a beleza arquitetônica do prédio, foi o Banco de Cochabamba.
Não fomos, em relação a este, bem-sucedidos.
Estava em liquidação.
No imponente edifício onde se situava o Banco Mercantil foi-nos informado que somente poderíamos realizar a troca dos nossos traveller checks na empresa de câmbio Exprinter.
Dirigimo-nos à praça onde esta se situava e, após concretizada a operação financeira, tiramos duas fotografias de uma belíssima Igreja Colonial.
Aquela cidade lembrava-me uma capital brasileira: Vitória, no Espírito Santo.
Voltando ao Hotel, tiramos as sandálias, guardamo-las em um saco plástico, lavamos os pés, calçamos meias e os coturnos.
Acabava-se o passeio do turista comum.
Fechamos a conta.
Dirigimo-nos a passo célere ao Terminal de Buses, a fim de pegarmos o mais próximo para La Paz.
Compradas as passagens, vimos não podermos levar as mochilas conosco no ônibus, tivemos de deixá-las no bagageiro.
Observamos também um dado curioso na Bolívia: enquanto no Brasil a taxa de embarque é paga juntamente com as passagens, naquele país sem saída para o mar ela é paga separadamente.
O ônibus era excelente.
A carroceria, a vidraça, as poltronas eram de fabricação brasileira.
Tinha ainda música ambiente e videocassete - verdade que os filmes passados eram do tipo "um por cento de enredo, noventa e nove por cento de pancadaria"-.
Mas quem precisava ver o vídeo, com a paisagem que nos acompanhava?
Cochabamba, apesar de limpa, tinha um sistema deficiente de escoamento de águas, com o que os alagamentos não eram raros.
Na periferia da cidade, pude ver, não sem um certo estremecimento de apreensão, uma placa sobre uma porta onde se lia Monopol.
Ao sairmos de Cochabamba, deparamos com um rio que era puro lameiro, mui caudaloso, cuja ponte estava submersa, provocando um engarrafamento.
Os veículos mais leves, quando a ponte se tornava visível, passavam sobre ela, o que seria impossível ao ônibus.
Moral da história: o veículo em que estávamos transmutou-se de ônibus em carro-anfíbio, vadeando o rio e criando em nós alguma preocupação com relação ao estado da bagagem.
Começamos a subir a Cordilheira.
Como descrever-lhe a majestade?
Muros de pedra construídos pelos integrantes da civilização andina cortando o verde das pastagens.
Choças de pedra com telhados de palha.
Ruínas de antigas Igrejas jesuíticas, testemunhando não apenas a área sobre a qual se estendera o poderio dos responsáveis pela catequese como também não terem sido vãos os temores dos reis de Portugal e Espanha quanto à formação de um Estado teocrático na América do Sul, de sorte a se desafiar a própria cúpula da Companhia de Jesus.
Aquedutos pré-colombianos, que comprovavam não terem sido as civilizações do Velho Mundo as únicas a disciplinar a água em prol da comodidade humana.
Criações de carneiros.
Gado holandês e miúra, este último o mais apropriado para as touradas, cultivadas em toda a América espanhola.
Cavalos.
Guanacos, lhamas e vicunhas pastando.
Neste cenário havia atores.
Pastores, descendentes das orgulhosas raças que habitaram a América Andina quando da chegada dos espanhóis, faziam festa à passagem do veículo nos ermos em que viviam, naquela estrada que, embora em certos trechos fosse bem asfaltada, não era caracterizada por um movimento intenso de carros, mesmo ligando duas das três principais cidades da Bolívia.
Este fato conduziu a conversa entre Scheila e eu a uma comparação entre o nível de vida da Bolívia com o do Brasil, onde uma via como esta não raro estaria congestionada, exatamente porque mais pessoas têm poder aquisitivo suficiente para serem proprietárias de um automóvel.
Éramos os dois únicos estrangeiros no ônibus.
Eu saboreava cada instante desta paisagem magnífica.
A pobre Scheila, contudo, queria, ao mesmo tempo, ver a paisagem e recompor-se da péssima noite de sono que tivera.
Com toda a grandiosidade do cenário, ansiávamos pela chegada a La Paz.
Lêramos em um artigo do Correio Braziliense que o descortinar da cidade era algo impressionante quando se chegava a ela por terra.
E de fato o era!
O tamanho desmesurado da cidade, a localização do centro em um vale situado a 4.000 m acima do nível do mar!
Resistíamos a utilizar o tão decantado mate de coca contra o mal das altitudes.
Pensávamos que chocolate produziria o mesmo efeito contra a altitude, sem os negativos efeitos do terrível entorpecente cujo nome no Brasil era tabu.
domingo, 22 de março de 2009
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