domingo, 22 de março de 2009

Nos domínios do Filho do Sol - Capítulo 15






Para não dizer que nossa despedida de Cuzco foi marcada apenas por acontecimentos desagradáveis, tomamos uma última refeição no Chez Maggi.

O dono cumprimentou-nos, conversou conosco a respeito do atendimento, e, ao saber que Scheila era estudante de História, adentrou um compartimento e, durante alguns minutos, andou a vasculhar alguma coisa, somente erguendo a cabeça para dirigir-nos um sorriso de cumplicidade.

Ao sair, trouxe um cálice de madeira escura, que nos entregou como presente.

Um dos empregados, que detinha poderes de mando e era de origem indígena, informou-nos que se tratava de uma peça antiga, utilizada em rituais.

Partimos para Lima de avião, saindo do aeroporto de Cuzco.

A nossa viagem de estudos arqueológicos terminaria nas ruínas de Pachacamac e, dali, iríamos pegar uma praia.

Chegamos cheios de prevenções à capital peruana, uma cidade grande e muito movimentada, fundada por Francisco Pizarro, que ali terminou os seus dias em virtude de uma conspiração dos caballeros de la capa.

Afinal, foram-nos contadas algumas histórias preocupantes sobre os assaltos no centro de Lima.

Ligamos para os hostales listados no Frommer's, optando nós pelo Hostal Mont Blanc, uma casa grande, situada em local seguro.

Próximo ao hostal, situava-se o Restaurante El Acuarium, onde travei conhecimento com o ceviche, um prato feito à base de frutos do mar crus.

O maitre fôra muito bem tratado no Brasil quando o avião em que voltava de um evento ocorrido no Velho Mundo teve de lá pousar.

Em função disto, tratou com uma deferência especial o casal de brasileiros, oferecendo-lhes todas as vezes em que ali iam comer chicha morada, um refresco de milho na quantidade que agüentassem, ao preço de um copo.

Informou-nos a respeito de como tomar em segurança o ônibus para Pachacamac, onde se situava o oráculo consultado pelo Inca.

Fizemos uma visita à Universidade de Lima, onde fiquei sabendo quem eram, no Peru, os nomes do Direito Econômico.

Na Universidad Nacional Mayor de San Marcos, travei conhecimento com o Prof. Alberto Stewart Balbuena, que me deu o endereço e o telefone do Prof. Aníbal Sierralta Ríos, cuja obra é plena de informações sobre o pensamento latino-americano à volta do Direito Econômico.

Pachacamac (pronuncia-se Patchacámac), a curta distância ao sul de Lima, não era uma cidade incaica.

Seus construtores foram integrantes de uma civilização marítima que foi submetida pelo Filho do Sol.

Aquela civilização do adobe, que construíra sua cidade às margens do Pacífico, fora forçada a adorar o Sol pelos seus conquistadores: seu deus originário era o mar, que lhes provia os alimentos.

O oráculo que nela se situava - e que recebera o nome de rimac, que por corruptela passou a chamar-se Lima -, nos últimos tempos do Tahuantisuyo (ou Tahuantinsuyo? Já vi as duas grafias serem adotadas), especializou-se em dar a resposta conforme o gosto do consulente, o que foi fatal tanto para Huascar como para Atahuallpa.





Com efeito, ao senhor de Cuzco fora prognosticada a vitória sobre o príncipe de Quito e a este último a vitória sobre Pizarro.

Fomos a Punta Hermosa, a mais badalada das praias peruanas próximas a Lima.

Tal como nas praias do Atlântico brasileiro, ali se viam também os farofeiros, ou, conforme a denominação local, pasteleros.

A areia era pedregosa, o que tornava um imperativo palmilhá-la com o pé calçado em chinelo, diferentemente do que ocorre nas praias brasileiras, onde geralmente a areia é branca e fina, de modo que os pés nus nada sofrem ao pisá-la.

As ondas que rebentavam fortes na praia, que era mais apropriada para surfistas, foram suficientes para chegarmos à conclusão de que o nome dado ao Oceano Pacífico deveria ser decorrente de alguma ironia por parte dos integrantes da expedição de Fernão de Magalhães.

Os hotéis estavam lotados, o que nos levou a, após horas e horas de caminhada, hospedarmo-nos em uma casa de família.

Notamos que a única água doce existente em Punta Hermosa era a que se bebia.

A água encanada era salgada, não havendo nenhum manancial de água doce nas redondezas, talvez por se situar a cidade em um prolongamento do deserto de Atacama.

A nós, acostumados a olhar para o Oceano do lado do nascente, não deixava de ser um espetáculo interessante o pôr do sol sobre o mar, motivo sobre o qual Scheila pintou um belo quadro.

Retornamos, após uma semana na praia, a Lima, pois partiríamos no dia seguinte.

Dormimos no Hostal Mont Blanc.

Por ocasião da saída, paga a conta, descobrimos que o país estava em guerra com o Equador.

O filho do dono do Hostal informa que todos os anos estourava um conflito, algo como um Fla x Flu ou Coríntians x Palmeiras ou Gre-Nal ou Atlético x Cruzeiro.

O avião do Lloyd Aéreo Boliviano dirigir-se-ia a Santa Cruz de la Sierra, onde passaríamos a noite, para, no dia seguinte, pegarmos o avião para Belo Horizonte, de onde pegaríamos o ônibus para Brasília.

Como se frustrara o meu desejo algo infantil de cavalgar um lhama - e eu só viria a aprender, muitos anos mais tarde, no noroeste da Argentina, que tal desejo não teria condições de se realizar, em virtude de o peso de um ser humano adulto ultrapassar a carga máxima por tais animais suportada -, Scheila comprou-me um abridor de garrafas com a forma de um destes camelos americanos.

No Hotel Cortez, que nos fora destinado pelo Lloyd, conhecemos um casal de moradores em Belo Horizonte, que nos falou a respeito do Museu do Ouro, em Lima, que deixáramos de visitar e que veríamos na nossa segunda visita ao Peru, na véspera do Natal de 1996.

Contaram-nos, outrossim, uma experiência curiosa que fizeram a respeito da quantidade de gás dos refrigerantes naquela região.

Deixaram destapada por um longo tempo uma garrafa e, ao de seu conteúdo se servirem, verificaram que continuava extremamente borbulhante.

Dois anos depois, voltaríamos aos domínios do Filho do Sol e iríamos seguindo em direção ao Norte, a fim de verificarmos a existência ou não de elos entre as civilizações que viveram na América espanhola.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Este espaço é para a troca de idéias entre quantos tenham o interesse de o visitar. Contudo, para garantir a convivência harmônica entre os visitantes, pede-se que não se discutam temas de natureza político-partidária ou religiosa, nem se utilizem expressões não recomendáveis pelas normas vigentes de boa educação. É indispensável, para que possam ser publicados, a identificação do autor dos comentários.